ELIAS TORRES FEIJÓ
Dous fenómenos significativos tornárom a colocar de atualidade nos meios culturais e políticos da Galiza um problema que, aliás, nunca o deixou de ser: a questom normativa e, a ela diretamente ligado, o assunto da normalizaçom lingüística e cultural. Fôrom esses fenómenos: o uso lingüístico de Camilo Nogueira no Parlamento Europeu e as declaraçons do presidente do Conselho da Cultura Galega, Carlos Casares, criticando a “extravagáncia” da norma oficial do galego a respeito do intersistema cultural galego-português (ou, se preferirem galego-luso-afro-brasileiro-timorense). Os dous fenómenos tenhem a ver com a dimensom internacional da nossa língua e com as suas possibilidades comunicativas: dos galegos e galegas com o mundo e do mundo com galegos e galegas; mas nem por isso deixam de colocar o problema interno: os modos comunicativos entre cidadaos e cidadás da Galiza em galego.
Nogueira, desejoso sem dúvida de usar como galego a língua galega no Parlamento Europeu, nom tem problema em fazê-lo oralmente, ao ser o português língua de trabalho da UE: basta polir de castelhanismos a prosódia, a fonética, o léxico…; usar o galego genuíno, ainda vivo na Galiza, quanto mais genuíno mais próximo da variante lusa, mantendo as nossas variantes legítimas. A dificuldade surge com a norma galega por escrito: nom podia utilizar a oficial: o Governo Galego nom reconhece a sua língua como língua da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que é como conhecida internacionalmente o que nós denominamos galego; a norma oficial galega, nutrida da ortografia e morfologia espanholas, manifesta a nossa precariedade lingüística, duramente castelhanizada. Nogueira, impossibilitado, tem que se acolher à norma mais próxima: a portuguesa, que, paradoxalmente, reflete maior genuinidade galega do que a nossa norma atual.
As declaraçons do presidente do Conselho da Cultura Galega, espelham precisamente essas precariedades da nossa ortografia e, em parte, da nossa cultura atual, porque, nom o esqueçamos, a norma é umha maneira de nos situarmos no mundo, umha orientaçom. Reflete igualmente a insolidariedade em que o galego se acha a respeito das outras variantes do nosso sistema lingüístico, insolidariedade também com o próprio povo galego, a quem som negadas as suas possibilidades culturais, como utente e produtor de cultura; e nom só culturais: também o acesso na própria língua às instruçons de umha máquina de lavar, ou ao manejo de um computador.
Estes episódios, a que se une o debate interessantemente suscitado no Foro de Escritores Transatlántico reunido em Corcubiom, e acompanhado de diferentes meios de comunicaçom por escritores e intelectuais, significam um desafio para todas as pessoas empenhadas na soberania cultural da Galiza, no desfrute da cultura e dos seus produtos, na defesa de umha posiçom universalista e feliz. Som umha fase do processo normalizador que, pensamos, deve conduzir o galego à reintegraçom lingüística e cultural no espaço que lhe é próprio: o único em que pode desenvolver-se com garantias de futuro e enxebreza. Nom é hora de que cada quem exiba agravos ou pedigrees. É tempo de generosidade. É tempo de as formaçons políticas tomarem posiçom e laborarem para explicitar um novo compromisso social neste sentido. Também é tempo de as instituiçons envolvidas serem receptivas ao processo, de as organizaçons sociais e culturais contribuírem para a reflexom serena: nem a normalizaçom nem a normativizaçom lingüísticas e culturais da Galiza som umha batalha de vencedores e vencidos: mais devem ser expressom de um processo de recuperaçom de identidades e dignidades, de encontros solidários e, sobretodo, de acesso ao desfrute com prazer de todos esses bens culturais, para assi, também, dialogar melhor com o resto de culturas do mundo, a começar polas mais próximas. Como tal processo, a RAG deveria ser receptiva ao que aqui está a acontecer e abrir livremente um diálogo sem exclusons. O Governo, determinadas instituiçons, organizaçons de prémios, etcétera, cessar na prática da censura, deixando liberdade de opçom a escritores/as, editoras, leitores/as (muitos galegos nunca deixárom de aderir, apesar da repressom, ao caminho reintegracionista, expresso na dissidência do uso da norma oficial nas suas máximas possibilidades até ao uso do padrom português, passando por mínimos e máximos reintegracionistas), para ser a cidadania quem defina. Duas áreas devem ser preservadas do debate: o alunado do ensino nom universitário e a Administraçom, mas nom por isso deve deixar de se ensinar aos alunos as outras variantes do sistema, para lhes permitirmos o acesso a esses bens culturais de que falávamos.
E é tempo também de tentar um forte intercámbio, a todos os níveis, com os Países da área lusófona: desde a TV à música, do livro ao teatro… O galego, felizmente, tem futuro.
Publicação original:
La Voz de Galicia, 6-11-1999, p. 16
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