MARCO NEVES

Como já tantas vezes discutimos por estas paragens, o galego e o português estão muito, mas muito próximos — ora, a proximidade tem as suas armadilhas. Existem, de facto, algumas palavras que parecem iguais, mas querem dizer coisas muito diferentes… Pois, hoje, dou três exemplos de falsos amigos galego-portugueses. Começo no «labrego», avanço pelo «grelo» e acabo nos perigos que se escondem na palavra «bico»…

 

«Labrego»
O primeiro falso amigo é muito inocente. Longe de ser para maiores de 18, é para todas as idades. A verdade é que é difícil encontrar portugueses que não se riam quando descobrem que, na Galiza, existe um Sindicato Labrego Galego.

Sim, um labrego, na Galiza, é apenas e só um lavrador. Já um labrego, em Portugal, até pode ser um lavrador — mas também há labregos fechados em escritórios ou vestidos de fato inteiro. Não consta que, por cá, se tenham organizado num sindicato.

«Grelo»
A história ficou famosa, pelo menos entre quem liga a estas coisas. O município galego de As Pontes promove anualmente um festival do grelo. Nada contra: comer verduras faz bem e um festival deste tipo só pode ser coisa boa.

O festival é coisa em grande, pois até tem um website — compreende-se que o município tenha decidido traduzir o tal website para espanhol a partir do original galego.

Abrande agora o leitor, como fazem tantos condutores ao passar por um acidente. Pois aquilo que aconteceu foi um autêntico acidente de tradução. Com feridos graves!

O nome do festival — ou da feira — era bastante claro em galego: «Feira do grelo».

Já a tradução para espanhol ficou, no website, com este lindo aspecto: «Feria clítoris». Não contente, o texto continuava: «El clítoris es uno de los productos típicos de la cocina gallega.» — o que, imagino, deve surpreender bastante os peregrinos que chegam a Santiago…

O que se passou?

Bem, o município decidiu poupar na tradução (ah, não façam isso!) e foi ao nosso amigo Google Translate. Ora, a Google usava o português para alimentar o motor de tradução de galego para espanhol. Resultado? O inocente grelo galego deu uma guinada, transformou-se na palavra portuguesa e foi embater num muro a grande velocidade, deixando os responsáveis do município com as faces bem ruborizadas de vergonha.

Note-se, já agora, que o Google faz isto porque o galego e o português, enfim, estão muito próximos. Ora, lá está: a proximidade, por vezes, também nos prega umas rasteiras.

Algumas notícias sobre o caso saíram em jornais como La Voz de Galicia, JN ou The Guardian.

(Quem pela primeira vez me falou dessa particularidade do Google Translate no que toca ao galego foi o meu amigo José Ramom Pichel — convido o leitor, já agora, a conhecer o seu blogue, onde escreve sobre o galego e os seus labirintos: Quatro Estômagos.)

«Bico»
E pronto, chegámos ao último falso amigo — e que falso amigo! Capaz de atrapalhar uma inocente conversa… Pois o que acontecerá a um galego que conhece uma portuguesa e lhe propõe um bico na despedida? Leva um estalo? Desatam a rir? Ou?…

A verdade é que, sem malícia, os galegos chamam «bico» e «biquinho» ao «beijo» e «beijinho». Vejam dois apresentadores atrapalhados a explicar o sentido português neste programa que a Televisão da Galiza emitiu — faz parte da série de vídeos que aproveita a transmissão dos Morangos com Açúcar para ensinar português aos galegos:

Note-se que nestes vídeos algumas formas portuguesas são apresentadas como mais genuínas (por exemplo, o infinitivo pessoal) — ou seja, os apresentadores usam o português para ensinar um pouco de galego.

Não é curioso?

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