SÉCHU SENDE

O dia que os meus eñes se tornaram ene-agás foi um dia como outro qualquer. O til do Ñ vibrou, moveu-se e desceu do alto do N para a direita e pujo-se em pé e esticou um braço e levantou outra perna até ficar transformado em NH. Sucedeu assim, diante dos meus olhos, e eu abrim a boca e dixem Ooooh! Que é isto? Um ene-agá!

Eu, como todo o mundo aqui na Galiza, aprendim na escola a escrever com Ñ: ñu, Miño, España, niño, mañana, camiño.

Na escola aprendem-se algumas cousas interessantes mas curiosamente a mim em todos os anos de escola –nem no liceu, nem na universidade– nunca me aprenderam a escrever o NH. E ainda assim, um dia os meus Ñs transformaram-se NHs in medias res, espontaneamente, sem avisar!

E quando os meus Ñs se tornaram NHs, Ñu passou a ser Nhu. E os camiños de antes passaram a ser outros caminhos, diferentes. E España passou a ser Espanha, e foi como se Espanha fosse de súbito outra cousa diferente da cousa que era antes, vista assim como de fora, de fora do Ñ, com NH.

E, polo contrário, o que antes escrevia como rio Miño passou a ser rio Minho, e desde aquela parece que o rio Minho é mais meu. E a miña vida mudou, e agora é mais minha. E assim foi como descobrim que o NH não só transforma as palavras. O NH vai mais alá.

Já me passara algo assim quando dum dia para outro me tornei ecologista. Ou a noite que abrim os olhos e descobrim que era, de súbito, feminista.

No meu país, Galiza, cada dia há mais NHs. Muita gente sente esse impulso irresistível a escrever um NH quando vai escrever um Ñ. E dizem que isto pode ir a mais! Os Nhs aparecem nos muros, nos livros, nas camisolas ou nos Cds. É como se o NH voltasse a casa. E as minhas filhas cantam Ondinhas vêm e vão e depois o Pintinho amarelinho, que chegou do Brasil, e é como se o NH unisse ainda mais a minha língua ao meu país, desde a raiz, e fosse ao mesmo tempo mais internacional.

Algum dia vão descobrir a forma de medir a energia transformadora das palavras. E a tecnologia permitirá calcular a capacidade das letras e das vibrações das cordas vocais para transformar a realidade. E haverá uma nova unidade de medida para medir a energia com que a linguagem e as línguas mudam o mundo.

Aqui, na Galiza, as palavras escritas com NH têm uma energia especial para transformar o mundo. Para mudar o meu país. Isso sinto eu desde aquele dia em que os meus Ñs se tornaram NHs e descobrim a potência do NH para construir ninhos, sonhos, caminhos que antes não existiam.

Esta versão do texto foi publicada no livro do autor, A República das Palavras, abril de 2015

Remédios para o galego. Coordenação: Diego Bernal e Valentim Fagim. Associaçom Galega da Língua. http://www.atraves-editora.com

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