JOSÉ RAMOM PICHEL
Em meados dos anos 80 do passado século XX, num colégio de Vigo, aconteceu este diálogo entre uma professora de primária e um meninho com cara de zangado que acabava de sair das aulas de inglês recém implantadas:
– Que foi Tonhito? Porquê estás enfadado?
– Porque a professora de inglês me chamou Boy!..
Segue-se um silêncio e, cheio de razão, Tonhito exclama: Eu hei-lhe de chamar Vaca!!
A professora era minha mãe. E Tonhito, viguês, poucos anos depois já falava castelhano.
Naquela altura eu, como absolutamente todos os nenos que estavam comigo na escola no bairro de Teis de Vigo, falávamos castelhano, com ainda muito léxico e muitas expressões em galego: “jogar as bolas, jogar o furão, outra vaca no milho, o trompo”, e não fazíamos ideia de porque a gente mais velha falava outro idioma diferente do nosso. A maioria falava no idioma que nós falávamos, as televisões, os rádios, a escola, professores, videojogos, jogos de mesa, primos e família.
Há cinco anos no Natal na minha cidade, um meninho que mesmo podia ter sido por idade o filho do Tonhito, perguntou aos seus pais, amigos de uns amigos: Papá, ¿de que país es este señor? Eu era do seu mesmo país. A diferença é que falava na outra língua, a que já não era a do seu país. Nem a dos seus pais. No entanto, o que mais me chamou a atenção, não foi a pergunta do neno, mas a resposta do pai:
– Ya te he dicho, Jorge, que habla en gallego.
Evidentemente falava em galego. Mas também evidentemente ele já não usava o castelhano que se usava na minha infância. Um castelhano cada vez mais indistinguível doutros castelhanos. Mesmo foneticamente.
Na Galiza vivemos já nos tempos compostos.
Quanto mais se aproxima o castelhano da Galiza ao de Madrid ou ao de Castela, mais se distancia o galego da Galiza do que se fala em Portugal ou no Brasil. O AVE linguístico já funciona.
Por isso, penso que nos achegamos a um novo ciclo bissonoro, onde defensores da estratégia do galego autonómico e defensores da estratégia do galego internacional reiniciemos um novo caminho. Um novo tempo de unanimidades baseado na legitimidade e legalidade partilhada, que poda reverter esta situação de que estou certo somos capazes de sair, com imaginação, com alegria e com uma nova rota entusiasmante para todos os falantes de Galícia-Galiza (galego e castelhano falantes).
Para que podamos continuar a entender e rir com o diálogo entre uma professora de primária e o seu aluno Tonhito, em qualquer escolinha deste lugar do mundo.
Publicação original:
http://praza.gal/opinion/2204/boy/, dezembro de 2014
Remédios para o galego. Coordenação: Diego Bernal e Valentim Fagim. Associaçom Galega da Língua.
www.atraves-editora.com
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