JOÁM LOPES FACAL

Desculpem mas quero confessar-lhes que o meu carro é reintegracionista. Tal como ouvem. Bom, para ser preciso, realmente no que fala, e mesmo escreve, é em português, mas isso som matizes menores, acho eu. Quando digo que fala, refiro-me, como podem entender, ao navegador: “próxima rotunda, segunda rua” ou “inverta o sentido da marcha quando for possível”. Um desvelo quase maternal com que tenta proteger-me prolongado em textos emitidos no pequeno ecrám frontal: “ponha o cinto de segurança” ou “pressom dos pneus correta”, e muitas outras recomendaçons sempre atentas, em corretíssimo português que eu interpreto como umha deferência comigo. Alguém o informou do meu gosto polo galego em aparelhos electrónicos e etiquetado. A deferência idiomática é um traço a agradecer visto o carro ser alemám.

Talvez convenha aclarar que, devido a umha particular opiniom inveterada, considero o aparelho de rádio e o reprodutor musical elementos centrais num carro. Foi por isso polo que me empenhei em instalar no meu um extra denominado pola casa “pacote de comunicaçons”. A denominaçom de pacote nom carece de ironia visto o preço, mas bom, oferece-me ingentes quantidades de música que escolho à vontade mediante um lápis óptico e seleciono despois mediante um infalível sistema de escolha. Naturalmente em português. Quanto ao preço… bom, um pode sempre tranqüilizar a consciência pensando no que tal dura hoje um carro e nos poucos que se pode chegar a estrear no futuro previsível. Há outros idiomas no meu pacote opcional entre os quais nom estám o catalám e o euskara mas si idiomas como o norueguês e o russo, de escassa utilidade para mim como podem compreender.

Pacote e navegador som umha fonte de satisfaçom para mim vista a dificuldade de que te respondam no teu idioma próprio em qualquer demanda de informaçom que solicites na Galiza, a começar polos serviços públicos. É o chamado bilingüismo harmónico ou liberdade de escolha. A Junta bem que o sente mas… é que nom deixam os pais, convertidos agora em sócios de governo. Nunca pode uma pessoa aplicar o seu ideário político, compreendo o desgosto de Feijoo.

Às vezes, ouvindo os conselhos da portuguesa que me acompanha nas viagens -si, é portuguesa, escolha de gênero que aplaudo sem reservas- penso: que bem fala a amiga, sorte de partilharmos idioma. Desventurados aqueles de menor difusom, condenados de por vida a inventarem neologismos a ritmo frenético e incapazes de experimentarem as virtudes do cosmopolitismo imperante. Nom há tantos anos, matinava eu -umha viagem dá para muito- o deputado Camilo Nogueira fazia uso dos recursos lingüísticos oferecidos polo Parlamento Europeu para ser traduzido em simultáneo ao resto dos idiomas. O sucesso parece nom ter surpreendido muito na Galiza, quer por o deputado se ter manifestado em idioma estrangeiro, assunto sempre conflituoso em países auto-suficientes, quer por estarmos demasiado habituados a ver triunfar o idioma próprio polo mundo adiante e preferirmos passar diretamente aos resultados de primeira divisom. Nom saberia dizer.

Estoutro dia lia eu na imprensa umha notícia que me deu que pensar. O New York Times projeta lançar em 2013 umha versom do jornal portuguesa no Brasil com artigos traduzidos (2/3) e elaborados in situ (1/3). A notícia coincidia com o anúncio do Financial Times da sua intençom de lançar um jornal de impressom digital em São Paulo sem descartar convertê-lo em breve em ediçom impressa. Os argumentos esgrimidos por um e outro diário para justificarem a sua aventura som similares. O crescente protagonismo económico e político do Brasil na cena internacional e o facto de contar com 200 milhons de habitantes era o decisivo. Resumia-o em poucas palavras Arthur Sulzberger Jr, presidente do NYT: Brazil is a perfect place for The New York Times to take the next step in expanding our global reach. Outro argumento era a notável expansom da imprensa escrita no Brasil, em marcado contraste com a atonia constatada na Europa e nos E.U.A.

O terceiro argumento surpreendeu-me mais: Brasil era assinalado como excelente plataforma para o conjunto da área latino-americana visto os grandes países hispano-falantes da área sofrerem de doença auto-referencial: there’s no great evidence that people in Mexico are desperately looking to know what’s going on in Argentina or vice versa. Além disso, estám as peculiaridades idiomáticas que afectam ao espanhol internacional: which Spanish? Mexico Spanish is different from Spain Spanish. Afinal, o grande diário da City (2,2 milhons de leitores diários em 2011, 4,2 milhons na ediçom digital) e o mítico NYT (1 milhom de exemplares diários) vam-lhe dar a razom ao entusiasta cartaz que nos convocava ao estudo do português no hall da Escola Oficial de Idiomas de Santiago: Em português dás a volta ao mundo. Pois é.

Seria ótimo que os responsáveis institucionais do idioma galego -A Real Academia Galega, o Conselho da Cultura Galega- tomassem nota da dimensom internacional do nosso idioma e das exigências que tam afortunada circunstáncia comporta. A estratégia de reintegraçom paulatina do galego no seu ámbito idiomático universal é umha opçom imperativa para qualquer olhada livre de preconceitos e de ressessas polémicas que poucos conhecem e a ninguém interessam.

O Parlamento da Galiza tem resolvido admitir a trámite umha proposta de lei de iniciativa legislativa popular para a incorporaçom paulatina da língua portuguesa ao ensino do galego e a progressiva abertura ao universo cultural lusófono. Precisam-se de 15.000 assinaturas, será possível alcançá-las? Seria bom, talvez poderíamos evitar assi que o senhor de Ponte Vedra que habita na Moncloa tenha que recorrer ao fone de ouvido para entender a dona Dilma Roussef que costuma falar claro. Valentim Paz Andrade aforrou em fones a assi chegou a rico.

O espanhol e o português som dous maravilhosos veículos de comunicaçom em rápido crescimento na comunicaçom oral e na rede. Nesta dinámica de crescimento compartido o português avantaja ao espanhol: 990,1% contra 807,4% durante o período 2000-2011, segundo o website internacional Internet World Stats.

Nada mau pode vir da competência aberta entre os dous idiomas que falamos os galegos. A única inquietaçom para nós, cidadaos empenhados na sobrevivência do galego, é a condena a reclusom perpétua no curto-circuito familiar e autonómico à que pretendem submetê-la os seus valedores. O honor devido ao idioma de Meendinho e ao fiel séquito de usuários presentes e ausentes demanda projetá-lo na rede, no cinema, na imprensa, no foro científico ou literário, no mundo ancho e alheio. Resgatá-lo da clausura doméstica que compromete a sua saúde para que a criança, já graúda, saia a brincar com os seus amigos aí afora. Nom é débil nem inexperto, nom se vai magoar, deixem-no à rua, precisa aprender a viver. De volta podo levá-lo eu mesmo a casa, no meu carro.

Publicação original:
http://praza.gal/opinion/708/o-meu-carro-e-reintegracionista/, novembro de 2012

Remédios para o galego. Coordenação: Diego Bernal e Valentim Fagim. Associaçom Galega da Língua.
www.atraves-editora.com

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